segunda-feira, 23 de março de 2015

Skylab e a Esquizofrenia

  João Victor Nóbrega






Rogério Skylab é um compositor e intérprete carioca, hoje com 58 anos,que iniciou sua carreira artística em 1991. Carreira esta que chegou a conciliar com seu trabalho no Banco do Brasil, onde foi funcionário por 27 anos. Formado em letras e filosofia, carrega suas composições de um lirismo existencialista que se funde a elementos non-sense, o que resulta em composições bastante distintas das do cenário da MPB atual, que ele classifica como burocrático.

Skylab é um admirador da Tropicália, tanto quanto é do Kautrock alemão, do Punk 77, e da eletrônica dos anos 1980. Mas a esquizofrenia do compositor não é meramente sonora, aliás, ela é antes lírica. Numa espécie de pós-vanguarda que junta a tristeza festiva dos trópicos a um minimalismo irônico, o carioca assume tanto a voz da rebelião contra autoridades, como o faz em Convento das Carmelitas, uma cantiga em que ele diz enforcar todas as freiras num convento, quanto assume a voz repressora contra seres marginais, como o faz em Você É Feia, uma Bossa Punk em que ele sugere que uma mulher feia cometa suicídio. E no álbum Skygirls Rogério assume também a voz de sua Rogéria interior. Evidentemente nenhuma destas vozes é puramente a voz de Skylab: a voz do autor é uma reapropriação irônica destas vozes, a tradição de Skylab é claramente uma tradição vanguardista que visa gerar no público algum tipo de Choque.

Sua tentativa vanguardista, no entanto, degenera-se facilmente em humor negro banal, já que há muito nada mais nos choca em sentido profundo. E daí vem o fato de que seu trabalho seja facilmente bem recebido por minha geração, a “da internet”: justamente pelo estatuto de mera curiosidade, entre tantas, que a obra ganha no ciberespaço: mais um cara engraçadinho na internet. Creio ser por isso que o compositor negue, nas frequentes entrevistas dadas a Jô Soares, sua obra como sendo humorística. Parece-me que não se trata de negar sua dívida para com o humor, e sim de ressaltar o fato de que seu trabalho vai para além do humor, porque existe uma preocupação global com a mensagem, e não pontual com o riso. O riso é colateral. Esta negação junto a declarações bem mais polêmicas, como a proclamação da beleza do Travesti como síntese da contemporaneidade, quando postas nos termos pouco claros em que ele coloca, geram o riso. Mas existe aí um apontamento do que é ser e estar no mundo hoje: Uma auto-feitura desenraizada e sem fim, que por vezes beira a esquizofrenia, como o próprio Skylab beira. Não que seja uma leitura original da parte do compositor, mas evidencia seu comprometimento analítico-filosófico.

Creio que todos que ouvem Rogério Skylab sentem as pontadas de sua provocação, mas o meio de circulação – majoritariamente virtual- de sua obra, e o espírito do tempo que nos penetra, não permitem seguir investigando a lírica aguda do autor, já que suas multifaces não podem se exprimir ante a desatenção e ao descompromisso para com a obra. O que é o problema e o trunfo de Skylab. A riqueza e a pobreza da obra. Eu me demorei a aceitar uma contemplação mais atenta do que dizia Rogério, e por muito tempo fui mero curioso, acessando esporadicamente suas músicas. Entretanto, resolvi investigar, e achei letras que encaram o que há de mais terrível com faíscas de humor, o que segundo alguns estudiosos é característica profundamente brasileira, bem como profundamente contemporânea. Se for verdade, Rogério é um dos mais Contemporâneos e mais Brasileiros compositores da atualidade. Mas que isso não soe como celebração acrítica, até porque muito do que ele diz ainda me é como nosso tempo: inapreensível. Que as qualidades ressaltadas aqui soem mais como um convite a ouvir um artista que esteve quase sempre à mingua.

Para finalizar deixo uma letra em que o humor é tão colateral que está presente apenas como ação que se volta ao nada:



ABISMO E CARNAVAL

O meu bloco é sem ninguém,
A passista sou eu,
Rolando no caos,
Abismo e carnaval.
É o beco da fome,
A boca do lixo,
Nenhum horizonte,
À beira do abismo,
Não sei quem eu sou,
Nem quero saber,
No fundo do poço
 Eu vou te dizer:
O meu bloco é sem ninguém,
A passista sou eu,
Rolando no caos,
Abismo e carnaval.

Rogério Skylab, do Álbum Abismo e Carnaval (2012)

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