quarta-feira, 25 de março de 2015

Fé Cênica

Roberta S. Stella 

Turma 250 de Iniciantes - Curso Ator
Há algumas semanas atrás comecei um curso de teatro. Não com o intuito de ser efetivamente uma atriz, mas sim de reforçar a relação de equilíbrio entre a mente e o corpo. Vários exercícios foram propostos a fim de estimular a criatividade e a sensibilidade. Uma dessas atividades era sobre a fé cênica, a crença do ator de que naquele momento ele realmente é aquela pessoa (personagem), que ele realmente se encontra em tal lugar, fazendo tal coisa.
O exercício começou com o professor pedindo para que andássemos vagarosamente. Em um passo lento e confortável, a respiração deveria ser a única coisa a ocupar a mente. Uma música lúdica se prestava ao fundo, permitindo um maior relaxamento. As luzes foram diminuídas e os holofotes amarelos foram acesos fracamente. A cada minuto a concentração crescia.
O professor começou então a lançar imagens em nossas cabeças com poucas palavras. Cada vez que uma frase escapava de sua boca, o cenário se tornava cada vez mais real. Comecei mesmo a me sentir numa praia. Conseguia sentir a areia quente entre meus dedos a cada passo que dava. O sol em meu rosto e ombros, misturado com a brisa salgada do mar. Alguns minutos se passaram e a praia se materializou diante dos meus olhos. Eu enxergava o lugar ao meu redor. Mesmo com os olhos abertos, eu não via as pessoas que passavam por mim naquela sala escura.
Eu andei a extensão daquela praia deserta. Era eu na companhia das minhas próprias profundezas. Eu realmente selecionei e peguei as conchinhas que eu queria, guardando para dar mais tarde a alguém querido. Em algum ponto do exercício eu subi as mangas da calça e senti a água gelada invadindo meus pés. Eu sentei na areia e senti o dia se esvaindo ao presenciar um pôr do sol alaranjado. Quando a noite caiu, eu olhei pra cima e vi as estrelas. Reconheci seu brilho intermitente, que logo foi ofuscado por uma outra luz. Grande e amarela, vinha do horizonte e estava a passeio pelo céu. Lenta o suficiente para que eu pudesse acompanhá-la, assim que ultrapassou o topo da minha cabeça, coloquei-me atrás dela.
Segui aquela bola de luz para dentro da floresta. Corri insistentemente atrás dela, num estado de admiração. O chão passou a se inclinar gradualmente e percebi que estava em uma subida. Era uma montanha. Não tão íngreme, mas difícil de subir. Ao chegar no topo, a bola de luz parou. Bem na minha frente ficou pairando, num amarelo brilhante que emanava energia. Lá de cima eu conseguia ver a praia anoitecida. A bola transformou-se então em uma pessoa. Uma pessoa muito querida pra mim, que já morreu. Eu pude abraçá-la por um segundo e dizer o quanto a amo e sinto saudade.
O exercício acabou com uma frase do professor que nos trouxe de volta, como um balde de água gelada. Não lembro qual foi, mas sei que ao olhar ao redor, presenciei alguns de meus colegas chorando. Todos em um estado de espanto, pois nunca antes um exercício foi tão profundo.
Todos os meus sentidos foram estimulados, dificultando a descrição dessa experiência pela sua singularidade. A maneira com que chegou no íntimo do meu ser é espantosa, mudando completamente a minha noção sobre as extensões do meu próprio corpo e proporcionando novas reflexões sobre, também, o outro. Minha visão ampliou-se, permitindo-me entender melhor coisas que antes não entendia – como a nossa relação de seres humanos com o universo. Logo, compreendo com mais clareza as entranhas primitivas da arte, reflexo dessa relação, em suas diversas formas e cores. 

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